O capítulo abaixo é parte integrante da dissertação de mestrado:

COMENTA.DA.MENTE : UM RECURSO DIGITAL PARA O ENSINO DE ESTRATÉGIAS DE LEITURA

https://repositorio.ifes.edu.br/handle/123456789/1555?show=full

Os estudos sobre a Língua Portuguesa passaram, como já vimos, por diversas mudanças de proposições, deslocamentos conceituais e posturas teórico-metodológicas. E essas transformações têm, aos poucos, ultrapassado o campo acadêmico e começam a refletir o modo de ensinar LP nas escolas brasileiras, ainda que de forma incipiente.

Soares (1996 apud PAULA, 2013) retoma estas vicissitudes quando salienta a literatura à serviço da gramática entre 1950 e 1970, a disseminação da teoria da comunicação entre as décadas de 70 e 80 e por fim, a proposta interacionista que difundida após esse período no Brasil. Usando a mesma cronologia, Geraldi, Silva e Fiad (1996 apud PAULA, 2013) destacam a falta de professores habilitados, o apelo aos linguistas frente aos baixos índices na educação e uma nova proposta de organização da disciplina de LP, respectivamente.

Geraldi reconhece o problema do desempenho linguístico do estudante brasileiro dos anos 1980, no que se refere à oralidade e à escrita, além dos problemas que vivenciava a população brasileira perante uma educação sem qualidade que se vinha praticando em sala de aula, especialmente em relação ao ensino de língua portuguesa. Geraldi enfatiza a necessidade de movimentação, mesmo com dificuldades, a fim de que haja uma educação capaz de transformar essa escola e, consequentemente, a sociedade (PAULA, 2013).

Nesse sentido, sabe-se que, segundo Marcuschi (2008, p. 51), ensinar LP por via de textos orais e escritos na escola tem sido uma proposta amplamente difundida porque, “o trabalho com o texto não tem nenhum limite superior ou inferior para exploração de qualquer tipo de problema linguístico”. Ou seja, como se trata da materialização discursiva da língua, não há nada de tão verdadeiro, natural e autêntico do ponto de vista das práticas linguísticas que substitua o elemento texto dentro das aulas de LP. 

A premissa do uso do texto já é reconhecida pelos professores e está incorporada aos documentos oficiais que direcionam o ensino de LP. Porém, a grande questão, ainda segundo o autor, estaria no modo como as aulas são conduzidas, em como acontece ou deveria acontecer o trabalho com o texto efetivamente, pensando em seus propósitos, momentos, inferências e discussões. 

Para tentar deslindar as inúmeras possibilidades de trabalho com o texto, apontaremos algumas considerações de Cosson (2011), Marcuschi (2008), Geraldi (1999) e Paula (2013) dentro da perspectiva da leitura e escrita no Ensino Fundamental II.

Rildo Cosson (2011) é um grande estudioso dentro das pesquisas em letramento literário. Apesar da literatura não fazer parte diretamente do escopo do trabalho, Cosson traz em algumas obras, e com bastante propriedade, algumas questões sobre o trabalho da leitura na sala de aula, as quais são de grande valia para a nossa discussão. Uma delas é sobre os elementos texto, autor, leitor, intertexto e contexto e a forma como estes interagem dentro da ação de ler na sala de aula.

Essas relações mesmo quando próximas no tempo ou no espaço são mediadas por três objetos que são os objetos de leitura. Dessa forma, o ponto de encontro entre o leitor e autor, o diálogo que se trava com o outro acontece, obviamente, no texto que, enquanto objeto de leitura, é tanto o material físico quanto a teia de sentidos que no referimos acima. A leitura do texto implica necessariamente um contexto, que é o espaço que possibilita a conversa nos termos referidos anteriormente. Sendo tudo que caminha com o texto, o contexto estabelece as coordenadas para que o leitor possa se movimentar na reconstrução do texto. Texto e contexto são permeados, ainda, pelo intertexto, que é a tradução da experiência da leitura de outros textos. A rigor, o processo de leitura é sempre a leitura desses três objetos simultaneamente. Quando lemos, sempre lemos o texto, o contexto e o intertexto, podendo cada um desses objetos receber maior ou menor atenção do leitor. É o que acontece, por exemplo, na escola que, até por necessidade da didatização do processo de leitura, enfatiza um ou outro desses objetos (COSSON, 2011, p. 4).

O autor nos leva a refletir sobre os tipos de leitura que propomos na escola. Que há a leitura como pretexto, a leitura sem orientação, a leitura deleite, a leitura que auxilia no desenvolvimento cognitivo e enfatiza a ideia de que a leitura deve ser encarada como um processo cognitivo e social. A partir da visão de Cosson (2011), a leitura nas aulas de LP deve preconizar o desenvolvimento das práticas de linguagem e acesso à cultura letrada, mas que, antes de tudo, deve formar o leitor. O autor elucida também os três momentos da leitura e sua importância: a pré-leitura, a leitura e a intepretação, sendo esta última, quando o aluno pode associar aquele conteúdo à sua própria vida.

No que concerne à escrita, Marcuschi (2008) destaca, mesmo diante do “campo fértil” de trabalho que o texto representa para os professores e alunos operarem de forma reflexiva sobre a linguagem, os problemas de abordagem do livro didático e do professor em relação às produções: o modo como encaramos a primeira versão do texto dos estudantes, o conceito de gramática, ortografia e os critérios avaliados, como introduzimos uma proposta de produção, o destino daquelas produções textuais.

Luzia de Fátima Paula, doutora em ensino de LP e conhecedora das ideias de Geraldi, como vimos no início deste capítulo, compartilha do problema da falta de referências sobre o ensino de LP, principalmente no viés histórico, em que se encaixa a sua pesquisa. Assim, Paula (2013) apresentando as ideias de Geraldi (1999), revela que o autor já sinalizava uma mudança na forma de organizar o ensino de LP. Para ele, o ensino deveria partir de três práticas: leitura, produção e análise linguística. 

Em síntese, Geraldi (1999) propõe a prática de leitura com textos curtos e longos, dando preferências à leitura sem “compromisso avaliativo” e as avaliações devem considerar o processo de ler. O autor considera ainda as dificuldades que o sistema impõe quando se trata de leitura: falta de livros, falta de bibliotecas, falta de interesse dos alunos, falta de acesso à xérox ou quantidade insuficiente, dentre outros fatores que às vezes impedem os professores de realizarem um trabalho mais sistemático em relação à leitura.

Para a prática da escrita, Geraldi partilha das ideias de Marcuschi (2008) e explica que o trabalho com proposta de produção de texto fica mais coerente quando, de fato, o tema/assunto a ser discorrido pelos alunos é resultado de uma reflexão. Não dá para escrevermos sobre o que nós não conhecemos ou nunca ouvimos falar. E não é possível pensar em competência para escrever ignorando as etapas de produção de um texto. É preciso discutir, planejar, escrever, revisar, reescrever, ler novamente, consertar e chegar à versão final. Essa versão, ao contrário do que se pensa, não pode ser só para o professor. É preciso pensar em propostas em que os textos dos alunos circulem ao final do processo para que outras pessoas possam lê-lo. E por fim, o contato com diversos textos é fundamental para as práticas de leitura e de produção. 

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