Para falar sobre o ensino de Língua Portuguesa (LP) no cenário atual é preciso considerar alguns impactos políticos e sociais que atravessaram a história brasileira ao longo do tempo. Para começar, é importante considerar três alterações que ocorreram no panorama brasileiro desde a Constituição de 1988. A primeira e mais profunda é a universalização da Educação Básica, marcada por “pelo menos três ações por parte do poder público: reconhecimento do direito; a ampliação da oferta de modo a alcançar a maior proximidade possível em relação à taxa líquida de escolarização; e que se assegure o caráter obrigatório e gratuito”.

A segunda foi o processo de globalização da economia mundial e por isso o terceiro: o uso dos meios de comunicação na sociedade brasileira (SILVA, 2015, p. 67). Tais mudanças contribuíram para uma nova configuração social em que o tradicionalismo escolar perpetuado nas escolas não garantiu uma educação de qualidade, dados os índices de reprovação, evasão e repetência observados ao longo dos anos no Brasil. Ainda que algumas tentativas tenham sido legitimadas, como a implantação de políticas públicas; a Lei de Diretrizes e Bases (LDB) nº 5692/71 – a qual ainda concebia a linguagem como instrumento de comunicação, adotando assim a perspectiva comunicacional, de acordo com Stieg (2017); a LDB 9.394/1996; o Plano Nacional de Educação (2000); dentre outras medidas governamentais.

Nesse contexto é que surgem os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN’s), em 1998, e a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), em 2017.

Nesse sentido, diante do cenário político e econômico apresentado, a tentativa governamental, de acordo com os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN’s) de Língua Portuguesa foi estabelecer […] o centro da discussão acerca da necessidade de melhorar a qualidade de ensino no país. O eixo dessa discussão no ensino fundamental centra-se, principalmente, no domínio da leitura e da escrita […] (BRASIL, 1998, p.17).

Com a comunidade acadêmica debruçada sobre os estudos que dialogavam com a leitura e a escrita e das possibilidades de otimização dessas habilidades dentro do espaço escolar, a revisão dos conceitos de linguagem e de língua de acordo com as descobertas mais recentes em termos de ensino da língua materna tornou-se imprescindível.

“Pode-se dizer que, apesar de ainda imperar no tecido social uma atitude “corretiva” e preconceituosa em relação às formas não canônicas de expressão linguística (sic), as propostas de transformação do ensino de Língua Portuguesa consolidaram-se em práticas de ensino em que tanto o ponto de partida quanto o ponto de chegada é o uso da linguagem (BRASIL, 1998, p. 18).

Essa mudança de paradigmas permitiu que o ensino de Língua Portuguesa sofresse o deslocamento teórico e prático necessários para professores e currículos, a fim de tornar o ensino da língua materna significativo do ponto de vista da inserção do cidadão no universo letrado, assumindo o papel do texto como central para o ensino da língua materna. Isso significa reconhecer a linguagem como realização discursiva que permeia toda a ação humana (BRASIL, 1998, pp. 20-21). Ao pensar a linguagem assim, abandonasse a premissa do ensino descontextualizado e pautado nos moldes tradicionais e formalistas até então vigentes e prioriza-se o caráter social, histórico e ideológico do discurso. Tal proposição se desfaz quando analisamos o conceito de texto apregoado nos PCN’s e a perspectiva discursiva para o mesmo conceito.

[…] o produto da atividade discursiva oral ou escrita que forma um todo significativo, qualquer que seja sua extensão, é o texto, “uma sequência verbal constituída por um conjunto de relações que se estabelecem a partir da coesão e da coerência” (BRASIL, 1998, p. 21).

É notável que a posição do Estado em relação à definição de texto considere apenas o mesmo como uma sequência dotada de coesão e coerência, o que desconsidera as outras dimensões do fenômeno linguístico de uma tessitura, é claro, mas que, para além da sua superficialidade, explorar seu caráter sociodiscursivo.

Assim, os PCN’s não consideram o caráter social, histórico e ideológico que perfazem os textos, salientando apenas sua coesão e coerência, aspectos caros à linguística textual, mas que não contemplam uma visão discursiva do enunciado texto.

E você, professor, concorda que os documentos norteadores, muitas vezes, nos “desnorteiam” em relação aos conceitos abordados?

 

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