Como já explicitado em textos anteriores e amplamente discutido na nossa área específica, a aproximação da teoria sobre o Ensino de Língua Portuguesa no Brasil por via dos Gêneros Textuais e a efetiva prática em sala de aula permeou e permeia debates há algumas décadas. O que fica claro, como sempre gostamos de frisar aqui, é ter a clareza conceitual de “colocar os pingos nos is”‘ em relação às categorias epistemológicas, isto é, precisa ficar muito claro para nós, professores, nosso embasamento teórico. O “de onde vem” efetivamente nossos conceitos e ideias sobre o trabalho linguísticos que propomos todos os dias em sala de aula.

Para tanto, é importante dizer que defendemos aqui a perspectiva sócio-histórica e dialógica, cujas proposições perpassam pelas ideias de Bakhtin e entendemos ainda que o texto é a realização de algum gênero e que, este, é uma categoria do discurso. Assim, de acordo com o filósofo, toda ação humana acontece por meio da linguagem e a materialização desta ocorre por vias textuais. Destarte, há de se conjecturar que o falante proficiente da língua materna é aquele que domina uma vasta gama experimental de gêneros textuais. Portanto,

A apropriação dos gêneros é um mecanismo fundamental de socialização, de inserção prática nas atividades comunicativas humanas (BRONCKART, 1999, p.103)

Dito isso, consideramos também importante a diferenciação, tanto do professor quanto para o estudante, entre Tipos e Gêneros Textuais. Comumente, atribuímos aos Tipos, a função que o texto exerce dentro da situação discursiva, operando em categorias estáticas como a Narração, a Argumentação, a Exposição, a Descrição e a Injunção. Porém, mais que conhecer tais categorias, é imprescindível que o professor compreenda e compartilhe com os seus alunos o fato de que essas categorias emergem a partir de uma predominância de Sequências Tipológicas dentro do texto.

Em uma notícia, por exemplo, vale dizer que é filiada à tipologia narrativa, mas que, tal determinação surge da quantidade maior de sequências narrativas realizadas dentro do gênero, o que não exclui a presença de outras categorias como a exposição, a descrição dos fatos e, em menor medida – intencionalmente ou não – a argumentação.

Retornando à questão do gêneros, é preciso encará-lo como ponto de partida para qualquer estudo sistemático de língua materna por considerar suas dimensões histórica, estável e socialmente situadas, atentando-se para o fato de que, no caso da análise linguística, por exemplo, não há fronteiras entre “certo” e “errado” e sim circunstâncias de comunicação orais ou escritas que exigem o uso da norma culta ou não.

Até aqui, portanto, entendemos algumas variáveis implicadas no ensino da língua por meio dos gêneros textuais. Mas, e a prática, como realizar, ou seja, fazer acontecer isso na escola, na sala de aula, com os meus alunos?

Essa é a pergunta de milhões né, rsrsrs… Vamos então falar de algumas estratégias, as quais, desde já ressalto, são propositivas!

Ancoradas nos estudos de Dolz, Noverraz e Schneuwly (2004), destacamos aqui, de forma resumida e com algumas observações, como a metodologia da Sequência Didática proposta pelos autores pode ser incorporada à nossa prática do dia a dia:

  • De antemão, vale explicitar aos alunos, ainda que forma implícita e contextualizada, que estudar a forma com que os textos/a linguagem aparece no nosso cotidiano é fundamental tanto para a nossa comunicação, quanto para a legitimação de todas as nossas atividades como sujeitos sociais, ou seja, precisamos nos comunicar para tudo o que vamos realizar como cidadãos;
  • Uma segunda tarefa interessante é colocar a “atividade humana” (contexto de produção do gênero que vai ser estudado) como um problema a ser superado. Ex: Se o gênero é carta-argumentativa, de reclamação/solicitação, inicie o diálogo com a seguinte questão: precisamos resolver o problema da coleta de lixo no bairro que não acontece como deveria. Ou seja, mostre aos alunos que o gênero a ser estudado “resolve” algo ou pode ser usado a favor dele de alguma forma;
  • Com a “ideia de resolução” pensada, defina com os estudantes se isso é mais viável, dentro do contexto, acontecer de forma oral ou escrita. Cabe aqui dizer que os gêneros orais também possuem seu valor dentro das nossas atividades discursivas do dia a dia e que, com a emergência da valorização do áudio pelas ferramentas e redes sociais na internet, o papel da oralidade tem alcançado relevância interessante dentro do cotidiano dos nossos alunos;
  • Com a definição da modalidade – escrita ou oral – deve-se definir o como, o para quem e onde vai veicular o gênero, bem como seu conteúdo, ou seja, que tipo de informação deverá estar presente no gênero escolhido;
  • Aqui, recomenda-se que o professor traga para a sala de aula exemplares do gênero para que os alunos, orientados pelo professor, compreendam aspectos relativos à sua organização;
  • Nessa etapa, o professor pode sugerir, de forma individual – na minha opinião, individual aqui funciona melhor – ou coletiva, uma produção inicial a fim de levantar os “problemas” nos textos dos alunos a serem resolvidos na SD;
  • As etapas seguintes são organizadas a partir das dificuldades apresentadas nos textos dos alunos. E isso pode acontecer de várias formas: atividades de ortografia, coesão e coerência, informatividade, progressão ou qualquer outro aspecto do texto do aluno que precisa ser aprimorado;
  • No final, com parte ou sua produção totalmente revisada a partir do que se aprendeu após a primeira produção, é fundamental proporcionar aos alunos um momento em que eles explicarão o que fizeram com o texto e como foram capazes de superar suas dificuldades, ou seja, quais foram as estratégia usadas para tornar sua produção inicial, uma produção final melhorada.

Trabalhar dentro do modelo apresentado acima possui algumas vantagens interessantes se compararmos com as práticas tradicionais do ensino de Língua Portuguesa. Uma delas é o realismo linguístico e a consciência dos alunos de que a linguagem/língua/texto/gênero é uma prática social. Além disso, aspectos como a autorregulação do próprio conhecimento e processo de aquisição de habilidades de leitura e escrita faz com que o aluno entenda como esses processos se relacionam com o seu aprendizado. Por fim, é inegável a autoestima revelada em tais práticas, posto que a produção do aluno “circula” e não fica somente para o professor ou para “nota”.

E você, prof: como trabalha com os gêneros textuais nas suas aulas? Seus alunos sabem a diferença entre gênero e tipo?

 

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